História - O melhor do bairro de Barra da Tijuca, Zona Oeste, Rio de Janeiro, RJ

   HISTÓRIA

 

foto(Vejaonline)

Os primeiros habitantes da Barra da Tijuca foram os índios tamoios, que mantinham uma grande taba próxima onde hoje está a lagoa do Camorim. Seu nome era Guará-Guassú-Mirim (literalmente “filhote de lobo grande”). Em 1565, Estácio de Sá doou essas terras ao sesmeiro Antônio Preto, que nada fez com elas. Em 1570, Salvador de Sá, terceiro governador do Rio de Janeiro, mandou para a região diversos trabalhadores braçais índios, chefiados pelo cacique Mandu, para revolver a terra e plantar cana-de-açúcar. Ao que parece, a aldeia de Guará-Guassú-Mirim já havia sido extinta, ou os índios já teriam se mudado, receando contatos com seus novos donos da terra. Em 1594, Salvador transferiu as posses territoriais de toda a zona oeste da cidade a seus dois filhos: Martinho e Gonçalo.

A Martinho, menos empreendedor que o irmão, mas, por sua vez, mais afeito a aventuras, ficou com a várzea de Jacarepaguá (cuja tradução é “lagoa chata dos jacarés”). A Gonçalo, caberia toda a restinga de Jacarepaguá, áreas planas e praianas correspondentes às atuais praias do Vidigal, Gávea e Barra da Tijuca. Em setembro de 1594, Gonçalo fundou o Engenho Camorim, próximo à lagoa do mesmo nome (dentre as possíveis traduções de Camorim, está a de “robalo”, um dos peixes abundantes no local). Por muitos anos, a restinga da Barra da Tijuca foi tomada por extenso canavial. Em 1624, o Prelado Mateus da Costa Aborim, autorizou o funcionamento da capela de São Gonçalo do Amarante, minúscula capela que ainda existe tal e qual, em Vargem Pequena.

Em março de 1634, com diferença de dias, faleceram os dois irmãos Martinho e Gonçalo. Herdou as terras de Martinho o poderoso general e futuro Governador do Rio de Janeiro Salvador Correia de Sá e Benevides, de cuja memória os cariocas sempre guardaram a fama de ter sido homem atrabiliário e cruel. Por sua vez, a herdeira da Barra da Tijuca foi Da. Vitória de Sá, que não quis saber de administrar engenhos, pois se casou com o Governador de Assunção, D. Luís de Céspedes Xeria, mudando-se para as terras do marido, na América espanhola. Era a época da União das Coroas Ibéricas (1580-1640), onde as duas Américas foram apenas uma só propriedade, mesmo que só por um espaço de sessenta anos.

Depois de 1640, Da. Vitória de Sá, já viúva, retornou ao Brasil, só para saber que seu primo, na sua ausência, havia invadido suas posses e, literalmente, tomado a propriedade, que julgava abandonada. Da. Vitória teve de sustentar imensa batalha judicial com o primo Salvador, cada um alegando nos tribunais suas razões. Tendo obtido ganho de causa e não mais desejando desgastar-se em processo tão pouco compensador, Da. Vitória de Sá doou todas as suas posses em agosto de 1667 aos monges do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, o que só fez acirrar a luta na justiça, agora, de um lado, os influentes monges; do outro, o poderoso general.

Onze anos depois, finalmente os monges obtiveram vitória completa na justiça, passando a gerir o engenho Camorim sem interferências do vizinho. Eram imensas suas terras. Iam da enseada do Vidigal à Pedra de Guaratiba, abrangendo em profundidade terras que iam até Curicica, o maciço da Pedra Branca, etc. No mesmo ano de 1678, Frei Bernardo de São Bento, monge-arquiteto do Mosteiro de São Bento, traçou a primeira estrada em plagas tão distantes. A estrada velha do engenho, hoje Rodovia dos Bandeirantes. O nome de Rodovia dos Bandeirantes é recente, haja vista que data de 1950, quando um grupo empresarial paulista tentou criar o loteamento Recreio dos Bandeirantes, de efêmera existência, próximo ao maciço da Pedra Branca.

Com o tempo, os beneditinos se entenderam com a família Sá e prolongaram essa estrada por toda Jacarepaguá, atingindo a Penha. Os monges não podiam comer carne, mas podiam comercializá-la. Descobriram que a restinga produzia ótimas pastagens e passaram a criar gado de corte, cujas enormes manadas conduziam pela estrada velha do engenho até a Penha, onde eram abatidas e embarcadas para a praça do Rio de Janeiro e ali comercializadas.

Um revés sério foi a invasão francesa de setembro de 1710, do qual o engenho Camorim não escapou. O corsário bretão Jean François Duclerc intentou tomar a cidade do Rio de Janeiro em 10 de setembro de 1710, a mando do Rei Luís XIV de França, que assim queria punir os portugueses por não se aliarem aos franceses na guerra contra Espanha. Rechaçado pela Fortaleza de Santa Cruz, margeou a orla até Guaratiba, onde desembarcou mil homens de seis navios. Deve de ter sido um fabuloso contraste, da natureza luxuriante com o luzidio uniforme vermelho dos soldados do Rei de França. Sem resistência séria, atravessou o maciço da Pedra Branca pela Grota Funda, ocupou militarmente o engenho Camorim e, servindo-se da ótima estrada do engenho, atravessou Jacarepaguá, saqueando os engenhos ali existentes e contando com ajuda dos escravos, que guiaram os franceses pelas trilhas até a cidade, onde acabaram derrotados duas semanas depois.

Sofreu muito o engenho Camorim, que teve suas instalações depredadas e saqueadas, o rebanho roubado e a plantação arruinada. Com o fito de melhor administrar tão grandes terras, resolveram os beneditinos subdividir o engenho em três: Camorim, Vargem Grande e Vargem Pequena, sendo que, este último, fornecia apenas alimentos e provisões aos outros dois. Ainda existem ruínas da casa-grande do engenho Vargem Grande, dentro de uma propriedade particular, o Sítio Petra, na Estrada dos Bandeirantes, 10.636, de propriedade da Sra. Vera Cavalcanti. Dos outros, nada mais resta. No lugar da casa-grande do engenho Camorim, existe hoje o complexo do Riocentro.

O século XIX presenciou a decadência dos canaviais ao redor da cidade e, porque não dizer, da própria ordem beneditina, que enfrentou confisco de muitas de suas propriedades pela Família Imperial. Em 1893, o Abade Prior Frei Manuel de Santa Catarina Furtado empenhou as terras da Barra da Tijuca ao Banco de Crédito Real em Liquidação. Não conseguiu resgatar o empenho, perdendo a posse de tudo para o dito banco no ano seguinte. Furtado chegou a ser penalizado pelo Papa, mas justificou-se. Era mais importante o sacrifício de uma propriedade improdutiva para manter outras, que perder tudo por nada.

O banco tentou lotear alguns trechos da Barra da Tijuca, mas a falta de saneamento básico e infra-estrutura fez todos os planos gorarem. Para piorar, uma série de disputas judiciais sobre as terras da barra entravou todos os projetos de loteamentos. Em 1958, a maior parte do espólio do banco foi adquirido pelo empresário tailandês Tjong Ijong Hoei, que passou a administrar a firma criada para gerir tão grande território, a Empresa de Saneamento Territorial Agrícola - ESTA S.A.

Em 1968, o Governador do Estado da Guanabara, Francisco Negrão de Lima, convenceu os três maiores empresários, donos da quase totalidade das terras da baixada de Jacarepaguá, a se unirem para aceitar o plano urbanístico encomendado pelo governo ao arquiteto e urbanista Lúcio Costa para urbanização da Barra da Tijuca. O motivo não poderia ser mais premente: a cidade estava com a zona sul completamente ocupada, sem espaço para a crescente expansão urbana.

Múcio Athaíde, advogado e grande proprietário da Barra; Sérgio Dourado, incorporador imobiliário e o tailandês Hoei assinaram um acordo de interesse mútuo com o objetivo de respeitar as regras do Plano Lúcio Costa e de implementar ali uma cidade modelo destinada a mudar o estilo de vida no Rio de Janeiro. Planos mirabolantes saíram do papel e, realmente, por alguns anos, as idéias de Lúcio Costa foram levadas à sério e a cidade foi implementada.

Lúcio Costa elaborou um plano simples. Dois grandes eixos viários cruzando-se ortogonalmente. À volta deles, situar-se-iam os diversos empreendimentos. Sobre o eixo transversal ao mar, estariam os serviços, shoppings e centros de lazer. No eixo longitudinal, ficariam as áreas residenciais. Quanto a essas áreas destinadas à moradia, os terrenos seriam divididos basicamente em três partes. Na primeira, seriam edificadas grandes lâminas verticais. No segundo terço, residências horizontais, geralmente unifamiliares. Finalmente, no último, áreas de preservação ambiental ou serviços. Os prédios altos seriam isolados uns dos outros, separados por áreas generosas de lazer.

Era um plano revolucionário para os padrões urbanísticos do Rio de Janeiro, inclusive pela previsão de amplas áreas livres, sem construções, com largo espaçamento entre os prédios. Entretanto, abria espaços perigosos para a especulação, deixando amplas áreas sem definir as funções no projeto original e era teórico demais em algumas questões básicas para dar certo. Muitas questões eram utópicas, e fora de nossa realidade social. A pior delas é que pressupunha que a cidade teria um desenvolvimento constante e ordenado até o ano 2.000, baseado numa premissa de uma estabilidade econômica que logo deixou de existir.

As boas idéias igualmente não suportaram a novidade de deixar tantas áreas abertas ao lazer. Logo o plano foi desvirtuado e, depois de 1975, abandonado. A SUDEBAR, Superintendência de Desenvolvimento da Barra, foi criada logo de início para adaptar o plano de Lúcio Costa à realidade local, mas esta não sobreviveu muito tempo à Fusão dos dois Estados (Guanabara e Rio de Janeiro), em março de 1975. Em breve, a SUDEBAR passou a servir apenas para legitimar as transgressões ao plano original, fato denunciado pelo próprio arquiteto Lúcio Costa, que a dirigia, e que logo se demitiu.

Entretanto, devem ser ressaltados seus méritos. Mesmo trinta e seis anos após a elaboração do Plano Lúcio Costa, a Barra da Tijuca ainda é o bairro mais bem projetado do Brasil, e onde se tem uma das melhores qualidades de vida. Se ainda faltam elementos básicos de infra-estrutura, como esgotos e saneamento, é, entretanto, inegável que a cidade surgida dali vingou e seus moradores sentem-se extremamente orgulhosos e privilegiados de ali residir.